Entre Mundos – Alexandre Silvério Quintet (2015)

Com ENTRE MUNDOS, o “Alexandre Silvério Quinteto” traz para os universos do jazz brasileiro e internacional a experiência única do fagote como instrumento solista principal.

Podemos entender, de certo modo, que uma característica marcante da música do século XX foi a convivência de diferentes formas de atuação e processos de criação. De um lado destacou-se o modernismo da música clássica europeia, que por meio da escrita musical explorou formas e sonoridades acústicas até então inimagináveis na música de concerto; de outro lado – especialmente nos Estados Unidos do pós- segunda guerra mundial – estabeleceu-se um processo gradativo de consolidação da tradição popular do jazz que colocava a improvisação solo em primeiro plano. Exercidas em alto nível, as habilidades de interpretação rigorosa da escrita e da criação instantânea pela improvisação normalmente estiveram a cargo de diferentes músicos, que se desenvolveram em diferentes mundos, em contextos distintos.

Alexandre Silvério é o “primeiro fagote” da OSESP – principal orquestra do Brasil –, e acumula prêmios no mundo da música clássica em uma carreira que inclui atuações com a Filarmônica de Berlim. O que surpreende é que ao longo dessa trajetória Alexandre dedicou-se também ao estudo dessas habilidades específicas do “mundo popular”, como o pleno domínio dos sutis processos de improvisação criativa “no calor da hora”, e a conquista de um sólido senso rítmico que a prática jazzística particularmente requer. Tudo isso sem abrir mão de um cuidado fino com a sonoridade e expressividade de seu instrumento em todas as regiões.

O mundo popular de Alexandre pode ser melhor apreciado agora em ENTRE MUNDOS, trabalho premiado com o ProAc da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo na categoria música instrumental. Uma audição atenta revelará um álbum de música popular instrumental, com soluções singulares para cada arranjo, contrastes de densidade e alternância de funções entre os instrumentos que se manifestam em constante diálogo.

O álbum abre com a força e o swing do samba Saudade (de Alexandre), afirmando a dicção poético-musical brasileira do quinteto formado por Fábio Leandro (piano e Rhodes), Vinicius Gomes (violão e guitarra), Igor Pimenta (contrabaixo) e Sergio Reze (bateria). São de Alexandre também a bossa-nova, Tarde em Berlim (faixa 4), o virtuosístico jazz pós-bebop Gordus Power (faixa 5), a lírica Ballad for Klaus (faixa 6) – dedicada ao lendário fagotista Klaus Thunemann com quem Silvério estudou em Berlim –, e o choro-samba Meu fagote chorou (faixa 9).

Como o jazz é uma atividade musical de invenção essencialmente coletiva, em ENTRE MUNDOS Alexandre abre espaço para composições de seus parceiros em diferentes gêneros e ritmos: Valsa para Bill (de Vinicius Gomes) que dialoga em alto estilo com

Very Early (Bill Evans), Cromática (Fábio Leandro), com ecos revisitados da engenhosidade de Thelonious Monk (Blue Monk) e a “piazzolliana” Um Tango para “El Chico” de Igor Pimenta, que aquece a atmosfera final do CD. E há ainda uma incursão especial no mundo dos standards consagrados do repertório cool de Miles Davis, Chet Baker e Gerry Mulligan, que o quinteto enfrenta com classe e criatividade em uma versão funkeada de My Funny Valentine (Rodgers/Hart).

ENTRE MUNDOS é um trabalho de um músico completo, que para além de sua notoriedade no mundo da música clássica se expressa com fluência e sem sotaques no também sofisticado mundo da música popular instrumental do inicio do século XXI, se arriscando na exploração radical de suas nuances e particularidades.

E curiosamente, esse músico, toca fagote. É o Alexandre Silvério. 

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Sérgio Molina